segunda-feira, março 30, 2009

"Até que a morte nos separe..."


Pensava eu que me conseguiria refazer da primeira situação... O que eu julgava ser um caso único, aconteceu mais umas quantas vezes e o que tem de bonito, tem igualmente de triste.
Eram umas tantas da manhã, vou arriscar dizer 4h ou 5h da manhã. Chega mais um doente para ser internado. Um idoso que após ter passado largas horas no serviço, "finalmente" é internado. A acompanhar vem a sua esposa, também ela idosa. Nunca saiu de perto dele. Permaneceu igualmente o mesmo número de horas no serviço. É um casal de idosos, casados há 50 anos e que não têm mais ninguém a não ser um ao outro. Passam o dia na companhia um do outro, fazem tudo juntos, mas quando a doença chega têm de se separar. A esposa, apesar da hora e de estar cansada, insiste em ficar até ao último minuto para se despedir do seu marido. Numa mão tem um saco com as roupas dele, no outro a sua mala. Está preocupada com a única pessoa que lhe resta. Pergunto-lhe, tendo em conta as horas, como vai para casa. Responde-me que vai de transportes públicos, sozinha, à noite e sem medo... Pergunto-lhe se quer comer alguma coisa. Ela recusa. Diz que quer ir dormir para voltar à hora da visita... Vê-la a ir-se embora sozinha, pensando no que ela sentiria/pensaria fez-me sentir triste/angustiada. Em parte porque tenho medo de quando chegar a velha estar sozinha. Pensei: amanhã já me passou...
No mês seguinte voltei a verificar a mesma situação. Neste caso ao contrário: a doente ficou internada e o esposo é que fica até ao último minuto para lhe dar um último beijinho de despedida. Também ele se ausenta sozinho do serviço ás 4h da manhã, para ir dormir e voltar à hora da visita.

Casais que estão juntos por longas décadas. Por vezes não têm filhos ou têm os filhos longe e vêem-se sozinhos nestas situações. Se por um lado esta relação é bonita - o amor, o companheirismo, a união - quando algo vem perturbar esta dinâmica tudo se desorganiza.
Como é suposto que alguém se refaça da perda da sua companhia de 50 anos? Será que a doença só atinge 1 ou atinge os 2? E que apoio é dado a esta pessoa que fica só? Porque é que esta senhora tem de ir embora ás 4h da manhã, de transportes públicos, sozinha?

Não se poderia aplicar melhor - "Até que a morte nos separe..."

P.S.: Quando for velha não quero estar sozinha...

quinta-feira, julho 03, 2008

Desabafos...


"Estar presente? Não tenho feito outra coisa... Trabalho por turnos! Tratar e dispensar algumas almas perdidas... Estamos com elas quando estão mais vulneráveis... Quando estão nús, frágeis e magoados... Tocamos-lhe... Observamos os seus corpos... Vemo-los mais de perto do que os seus familiares, amantes. Mas é tudo mecânico, temporário! Curamo-los ou vemo-los morrer... De qualquer das formas, termina ali e seguimos em frente. Não há próxima vez, não há laços. Nenhuma ligação real.
Eles acreditam no que lhes dizemos... Têm de confiar em nós; somos os médicos, nós é que sabemos... Mas eu não! E minto! Digo o mesmo a pessoas diferentes, vezes sem conta até que não consigo que as palavras saiam da minha boca. É difícil não ficar enojado comigo, com o sistema, com quem trabalho... Até mesmo com as pessoas que devemos ajudar.
Sou bom no que faço: tenho certas aptidões e habilidades - ganhei-as de forma natural. Os outros queriam que o dia terminasse, mas eu queria mais, quanto mais urgências, melhor... A medicina era excitante, poderosa... viva! Hoje salvámos uma adolescente, eu salvei uma criança... eu não senti isso... Não senti nada!!

Amanhã vou levantar-me e fazer tudo de novo!"

Dr. Kovac - ER

PS.: Retrato de um conjunto de sentimentos expressados por um médico de uma série de TV, mas que também eu os partilho. Não acontece só aos médicos aliás, atrevo-me a dizer que na nossa realidade, não acontecerá aos médicos, mas sim aos enfermeiro que cuidam dos doentes 24h/dia. Um aspecto contraditório: algumas vezes, para não dizer uma grande parte, criamos laços, curtos, fortes e que nos marcam igualmente como se fossem de longa data. Há coisas que nunca se conseguem esquecer...

Status: Sometimes life sucks...

domingo, junho 15, 2008

A Magia do Futebol!!!



É verdade!! Nunca pensei vir a escrever sobre futebol, mas desta vez acho que se justifica.
Até os mais distraídos devem saber que está a decorrer o Euro 2008 (embora Portugal tenha sido eliminado na quinta feira passada :S).
Diversos anúncios surgem nos meios de comunicação social a manifestar o apoio que prestam à selecção nacional. E tal como tudo há aspectos negativos, mas também há aspectos positivos...
Milhões e milhões de euros são dispensados para este desporto, para a construção de estádios e centros de estágio, para não falar nas fortunas que os jogadores ganham apenas para andarem a correr atrás de uma bola...
Mas também há algo de admirável que é o entusiasmo dos portugueses para assistir aos jogos. Muitos de vós pode achar que é algo exagerado, mas deixo-vos aqui a descrição de uma situação e depois logo me dizem o que acham, ok?

Dia 11 de Junho; 17h - começa o jogo Republica Checa vs Portugal. Eu para variar tou a trabalhar. Diga-se de passagem e sem querer dizer nomes (não vá a inquisição aparecer) o hospital onde trabalho é muitooooooooooooooooooo grande. Trabalhando eu no serviço de urgência, poderei afirmar que a maior parte das situações são urgentes/emergentes e esse dia não foi excepção à regra.
O aspecto curioso de tudo isto é que, cada vez que alguém marcava um golo, notava-se nos doentes o seu ar preocupado de o tinha marcado se Portugal e que jogador) e notava-se o ar de satisfação pelos golos portugueses... Por uns simples minutos via-se algum ânimo e esperança nos doentes, o que a mim me encantou!! Por uns simples minutos as dores e a doença ficavam ocultas... Uma das doentes, que até dormiu o jogo todo, assim que acordou chamou-me e perguntou "Quem ganhou??".
Confesso que gostei destes momentos que a selecção nos ofereceu... Ver, ainda que momentaneamente, a satisfação aos doentes, foi algo que me deixou agradada. Boa disposição para os enfermeiros, para os doentes, para os auxiliares e também para os médicos.
Foi uma boa experiencia ;)

quinta-feira, maio 22, 2008

"A angústia é o preço que se paga pela lucidez!!"


Ora vejamos... Tenho constatado ao longo da minha curta experiência profissional, que alguns doentes pressentem a morte. Frases como "estou a ver a morte à minha frente!", "desta já não me safo!", "tirem-me daqui/levem-me para casa!!" e outras, foram frases ditas por doentes que minutos depois vieram a falecer. Após uma pesquisa rápida na Internet, a fim de aprofundar a questão, não encontrei nada especifico, ou seja fiquei na mesma.
Ainda assim, o que é facto é que parece que os doentes sabem que vão morrer. O que sentirão eles? Será quem sentem a morte em si? E isso traduz-se por? Sentir o coração parar de bater? Sentir má disposição? Será uma sensação má ou boa? De sofrimento, angustia ou de alivio? E para os que estão lúcidos, e têm a sensação que vão morrer? E para quem tem medo da morte e sente que vai morrer? Complicado não é?

E perante uma situação destas, o que faz o enfermeiro? Muitas das vezes nem nós queremos acreditar naquilo que os doentes nos dizem. Contudo, e talvez o mais assustador, é que efectivamente eles sabem o que dizem e morrem mesmo...
Assustador porque? Porque vemos estas situações no nosso dia-a-dia e a questão é: quando chegar a nossa vez, o que é que se sente??????????? Vamos ter a noção que vamos morrer???? Dai a angustia ser o preço a pagar pela lucidez....

quarta-feira, maio 14, 2008

Educação e Prevenção - Medidas Radicais!!!

Dizem os números que tem havido menos acidentes nas estradas portuguesas, mas que o numero de vitimas mortais aumentou!! Que poderei eu concluir daqui? Que os acidentes são mais graves, certo? Que a "brutalidade" da questão aumentou. Para quem conduz ou nao e especialmente para quem trabalha no pré-hospitalar, na policia, nas urgências, nos cuidados intensivos e noutros serviços até, facilmente se pode aperceber das aberrações de acidentes que acontecem no dia-a-dia. Coisas disparatadas e que facilmente se poderiam evitar. Excesso de alcool, excesso de velocidade, uso de drogas ilicitas, falta de civismo, intolerância e criminalidade são algumas das causas que poderemos apontar na origem dos acidentes. Alguns deles, para nao dizer a sua maioria, poderiam ser evitados... Entao o que está a falhar em Portugal?? Que podemos fazer mais para diminuir esta sinistralidade? Bem, a julgar pelos ultimos acontecimentos nacionais, isto de aumentar o preço do combustivel quase todos os dias deve ser uma nova medida de prevenção, será?? Ora vejamos o racicionio: aumenta-se MUITO o preço do combustivel, diminui-se o poder de compra do mesmo, o pessoal anda menos de carro e consequentemente diminuem os acidentes!! Pronto, descobri a polvora!!! Afinal esta medida de aumentar o preço dos combustiveis é uma medida "camuflada" de prevenção rodoviária!!! Obviamente que é desnecessário dizer que estou a ser ironica.
No meu ponto de vista temos de ser mais agressivos na prevenção rodoviária. Sou apologista que, todos aqueles que estiveram implicados num acidente, e ESPECIALMENTE em acidentes com vitimas graves e mortais, deveriam fazer um estágio em urgências/cuidados intensivos e no prestigiado centro de reabilitação do Alcoitão, a fim de ver ao vivo e a cores como se fica depois de um acidente GRAVE. Digo-vos, que dificilmente se esquece aquilo que vemos, especialmente quando as vitimas nos chegam muito mal tratadas e algumas nem sobrevivem... Podia ser que ficasse de emenda para alguns.
Como exemplo nesta área, temos o Brazil. Nuns cartazes publicitários, colocaram-se "meia dúzia" de frases escritas e pensadas de um modo frio e frontal. Causou alguma polémica, mas para mim fazem sentido e foi uma boa medida. Segundo eles a sinistralidade diminuiu... Será que é disto que precisamos?













quinta-feira, abril 10, 2008

E esta hein?


E como nem tudo são coisas más, posso afirmar, caros amigos, que até a data este ano tem estado a correr bem. Nova imagem do blog e apesar de ja vir um cadinho tarde, começo a contagem (porque so agora descobri como se faz) dos fãs deste blog lol (nada convencida hein?!)


Mas o que vos venho contar hoje é que tive a oportunidade de concretizar (por uma semana) um objectivo meu. Pois bem, tive a oportunidade de andar na Viatura Médica de Emergência e Reanimação. Muito, muito fixe... Ponto número a salientar: na VMER vai um enfermeiro e um médico. Tive nesta semana a oportunidade de ver o que é trabalhar em equipa. Nos turnos que eu fiz, não havia médico para um lado e enfermeiro para o outro. Os 2 eram 1 só. Só por este aspecto estão de parabéns!!


Aspecto número 2 a salientar: quem faz emergência médica tem, na minha perspectiva, um conceito de realidade muito mais concreto. Eles sim, lidam com as adversidades do tempo (pois não estão protegidos pelas belas das paredes), eles sim lidam com os doentes de um modo muito mais intimo, imprevisivel, desprotegido, inesperado e ainda, lidam directamente com as familias, ali in loco, no local onde tudo acabou de acontecer.


Aspecto número 3: aquele carro anda nas horas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! É só dar um cheirinho no acelador e lá vamos nós! Agarra nas curvas que é uma coisa doida!! Fantástico! Só por motivos de força maior é que não digo a quantos km/h andei, mas nada que passasse dos limites de velocidade (lá ta o narigoto a crecer, que raio...)


Aspecto número 4: este é o mais surpreendente de todos porque traduz o bom senso e a tolerância do nosso povo!! Ah pois é. Num dos serviços em que fui, tivemos de deixar o carro numa rua estreitinha. Estávamos nós de volta de uma senhora com uma suspeita de enfarte, quando uma madame armada em gente fina, se chega ao pé de nós e diz muito intrigada "olhe desculpe, são capazes de ir tirar o carro? É que ninguem consegue passar!!". E a senhora ainda teve a oportunidade de ver que estavamos numa azafama, a tentar cuidar da senhora, porque se visse que estávamos parados, talvez fizesse uma queixa. E esta hein?

terça-feira, abril 08, 2008

A lenda do Enfermeiro


Quando Deus criou o enfermeiro, teve de fazer horas suplementares. Era o sexto dia. Disse-lhe um anjo: Senhor, há muito tempo que trabalhais para fazer este modelo!

Já pensaste na longa lista de símbolos especiais inscritos nesta encomenda? A obra tem de ser entregue sob a forma masculina e feminina, fácil de desinfectar, sem despesas de conservação e não pode ser de plástico. Ele deve ter nervos de aço, costas que resistam a toda a provação, sendo ao mesmo tempo dócil e gracioso, para se poder sentir à vontade nos quartos de serviço demasiado pequenos. Deve poder fazer cinco coisas ao mesmo tempo, tendo o cuidado de manter sempre uma mãoo livre. - respondeu-lhe Deus.

O anjo abanou a cabeça e disse: - Seis mãos, isso é uma coisa impossovel.

A dificuldade não está ai. O que me preocupa são os três pares de olhos que deve ter o modelo padrão; dois olhos para ver a noite através das paredes, durante as velas e para vigiar duas unidades; dois olhos atrás da cabeça para ver aquilo que não gostariam que ele visse, mas de que tem que ter absoluto conhecimento e, seguramente, dois olhos de frente, que olham para o paciente e lhe dizem: "Compreendo-vos, estou aqui, não se preocupe." - Deus respondeu.

O anjo puxou-lhe gentilmente pelo braço e disse: - Ide dormir Senhor, amanhã de manhã continuareis.

Não posso. - respondeu o Senhor - Já consegui que raramente adoeça e se saiba tratar a si mesmo. Aceita que dez quartos duplos recolham quarenta doentes, mas nunca que dez postos de trabalho sejam apenas providos com cinco enfermeiros. Gosta muito da sua profissão, que exige muito dele e não é muito bem pago. Sabe viver com horários irregulares e aceita ter poucos tempos livres.

O anjo andou lentamente à volta do modelo do enfermeiro e suspirou: - O material é demasiado mole.

Deus replicou: Mas é tenaz. Tu não imaginas tudo o que ele pode pensar! Não somente pensar, mas avaliar uma situação e tomar compromisso.

O anjo inclinou-se mais sobre o modelo, passou-lho o dedo pela face e disse: - Vejo aqui uma fenda. Já vos disse que experimentais várias coisas no vosso modelo.

Esta fenda é feita por uma lágrima. - disse Deus.

Porquê?

Ela corre nos momentos de alegria, de tristeza, de decepção, de dor e de desamparo. - explicou-lhe Deus. É a lágrima que serve de tubo de escape para o excedente.

"Os anjos estão no céu e os enfermeiros na terra"